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Ressurreição de Lázaro e o Paradoxo do Poder Religioso: João 11

Texto Bíblico: João 11

Contexto Narrativo

O capítulo 10 do Evangelho de João encerra um ciclo narrativo que descreve o ministério público de Jesus, desde o início até a perseguição que Ele enfrentou. Esse bloco começa e termina com o testemunho de João Batista acerca de Jesus na região de Betânia. No início, em João 1:19-34, os judeus perguntam a João se ele seria o Messias, ao que ele nega (1.20). Em seguida, ao ver Jesus, ele declara: “Vejam! É o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo!” (1.30). O bloco narrativo se encerra em 10:40-42, quando Jesus volta para a outra margem do Jordão, “onde João batizava”, e muita gente vai até Ele. Eles comentam: “Embora João nunca tenha realizado um sinal milagroso, tudo o que disse a respeito deste era verdade” (10.41).

Entre os capítulos 2 e 10, Jesus realiza seis sinais miraculosos, cujo propósito é demonstrar que Ele é o enviado de Deus, o Messias esperado por Israel. Cada sinal que Jesus realiza faz com que muitos passem a crer n’Ele, ao mesmo tempo que aumenta a perseguição dos líderes judeus. Isso ocorre especialmente porque Jesus subverte as normas religiosas, como o sábado, preferindo a misericórdia ao sacrifício.

Os capítulos 11 e 12 marcam uma transição importante. Eles explicam por que Jesus seria perseguido, acusado pelos líderes judeus e, por fim, morto pelo poder político de Roma. Neste artigo, refletiremos sobre o capítulo 11, que narra a ressurreição de Lázaro. No próximo, abordaremos o capítulo 12, que trata da unção em Betânia e da entrada triunfal em Jerusalém.

No capítulo 10, Jesus estava em Jerusalém por ocasião da Festa da Dedicação (10:22). Após afirmar que Ele e o Pai eram um (10:30), os judeus tentaram apedrejá-lo e prendê-lo, mas Ele escapou. Assim termina o capítulo 10. À primeira vista, parece que o capítulo 11 começa sem ligação com o anterior: “Havia um doente chamado Lázaro, de Betânia, aldeia de Maria e sua irmã Marta” (11:1). No entanto, veremos a seguir como essas histórias estão intimamente conectadas.

Betânia estava muito próxima de Jerusalém, cerca de três quilômetros apenas, o que tornava perigoso para Jesus ir até lá, já que era uma área de forte influência dos líderes judeus, que queriam matá-lo. Quando Jesus recebe o recado das irmãs de Lázaro, solicitando Sua presença junto ao amigo doente (11:3), Ele surpreendentemente não vai imediatamente. Jesus espera dois dias antes de decidir partir (11:6) e, então, anuncia a Seus discípulos: “Vamos voltar à Judeia” (11:7).

Seus discípulos ficam preocupados, pois haviam acabado de fugir de lá e temiam a perseguição dos judeus. “Por que Ele voltaria à Judeia? Para ser apedrejado?” (11:8).

Jesus, porém, vê a doença de Lázaro como uma oportunidade para manifestar a glória de Deus (11:4). Lázaro agora estava morto (11:13-14). Embora Jesus sinta a perda do amigo, Ele também se alegra, pois a morte de Lázaro serviria como testemunho de quem Ele era, para que Seus discípulos pudessem crer (11:15). Jesus estava prestes a realizar Seu último sinal — o sétimo e maior —, que seria o sinal definitivo de Sua autoridade.

O maior sinal de Jesus

Ao trazer Lázaro da morte para a vida, Jesus demonstra que recebeu do Pai o poder para vencer o maior inimigo da humanidade: a morte. Para nós, a morte é algo desconcertante; todos a evitamos. Podemos até tentar adiá-la, e a ciência está constantemente em busca de formas de vencê-la, mas, até hoje, a única certeza que temos é de que um dia vamos morrer.

Além disso, estamos cercados de perigos de morte a todo momento, e não era diferente nos tempos de Jesus; certamente, era ainda pior. Naquela época, a expectativa de vida era de apenas 40 anos. Havia muitas doenças e uma violência generalizada que encurtavam a vida.

Esse texto mostra não apenas o poder de Jesus como verdadeiro Deus, mas também Sua humanidade, ao sentir a dor do luto. Nunca estamos prontos para a morte; ela sempre nos pega de surpresa e nos abala profundamente.

Quando Jesus chega à aldeia, Lázaro já estava morto há quatro dias (11:17). Seu corpo estava em decomposição no sepulcro. Jesus encontra Marta ainda no caminho. Ela estava triste pela morte do irmão e também pelo fato de Jesus não ter chegado a tempo: “Se estivesses aqui, Senhor, meu irmão não teria morrido” (11:21). A família de Lázaro acreditava no poder de Jesus; eles já haviam testemunhado Seus sinais e tinham certeza de que Ele poderia tê-lo curado, evitando assim sua morte. Mas agora, parecia tarde demais.

Nesse diálogo, Jesus conforta Marta dizendo: “Teu irmão ressuscitará”. Certamente Marta já tinha ouvido essas palavras antes. Os judeus que também estavam na aldeia para consolar a família acreditavam que, no último dia, haveria ressurreição. Por isso, ela responde: “Sei que ressuscitará na ressurreição do último dia” (11:24). Mas Jesus traz uma novidade: o evangelho, a boa notícia:

“Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que morra, viverá; e quem vive e crê em mim, não morrerá para sempre.” João 11:25-26

Marta crê nessa palavra e declara que reconhece Jesus como o Messias (11:27). Em seguida, ela vai chamar Maria, que estava em casa sendo consolada pelos judeus. Quando Maria vê Jesus, ela também se lamenta pela morte do irmão. Ao vê-las chorando, Jesus se comove profundamente e chora (11:35). Ele pede para que o levem ao sepulcro de Lázaro. Quando chegam, Jesus ordena que a pedra seja removida, mas Marta objeta, dizendo que o corpo já estava em decomposição.

Jesus ignora o estado do corpo, ora ao Pai em gratidão por ter ouvido Sua oração e então grita:

Lázaro, vem para fora!

João 11.43

Lázaro, ainda com as ataduras mortuárias, se levanta e sai do sepulcro. Jesus venceu a morte!

O Paradoxo

Esse deveria ser o sinal definitivo. Quem mais poderia trazer alguém da morte para a vida? De fato, muitos passaram a crer em Jesus, inclusive muitos dos judeus que tinham ido consolar as irmãs (11:45). No entanto, outros foram contar aos fariseus o que Jesus havia feito.

Aqui começa o paradoxo. Os líderes religiosos, em vez de se maravilharem com o milagre, foram incapazes de reconhecer o poder de Jesus. Eles estavam mais preocupados em preservar sua posição e poder. Mesmo diante de algo tão extraordinário, eles não se importaram com o sofrimento das pessoas nem se emocionaram com a manifestação de Deus. Seu deus era o poder. Por isso, eles se reuniram e tomaram a decisão de matar Jesus:

A partir desse dia, entraram em acordo para matá-lo.

João 11.53

Essa expressão “entraram em acordo” revela o início de um plano de conspiração. Os fariseus não tinham poder para decidir sobre a morte de Jesus. Havia um conselho judaico chamado Sinédrio, composto por cerca de 70 homens, e ele estava sob a autoridade romana. O Sinédrio era responsável pelas questões religiosas e políticas dos judeus, sendo dominado pelos sacerdotes do templo, ligados ao partido dos saduceus. Os fariseus, embora em minoria, eram influentes, e também faziam parte desse conselho.

O texto nos diz que os fariseus se uniram aos saduceus, e o problema “Jesus” foi levado ao Sinédrio. O pretexto para sua execução foi: “Se o deixarmos assim, todos crerão nele. Virão os romanos e destruirão o santuário e a nação” (11:48). Caifás, o sumo sacerdote, sugeriu: “Não vedes que é melhor que um só morra pelo povo e não pereça a nação toda?” (11:50).

Esses líderes realmente tinham razão para se preocupar, pois o reino de Deus não poderia coexistir com o sistema corrupto dos homens.

A Relevância Contemporânea

O paradoxo se repete nos dias de hoje. No Brasil, observamos nas últimas décadas uma tentativa de instauração de uma teocracia. Em nome de Jesus — um grande paradoxo —, líderes religiosos, especialmente evangélicos, aliam-se a políticos, latifundiários, grandes empresários e banqueiros, todos interessados em se manter no poder, usando o nome de Jesus para justificar suas ações.

Em nome de Jesus, matam Jesus. Eles pervertem a justiça e os valores do reino. Em vez de promoverem a igualdade, aprofundam as desigualdades; em vez de promoverem a vida, defendem a posse de armas e a violência. Preferem manter suas estruturas de poder e religiosidade a cuidar dos mais vulneráveis e das minorias, sempre em nome de Jesus.

Como vimos na reflexão sobre o capítulo 7, Jesus poderia ter cedido à tentação de Seus irmãos e manifestado Seu poder glorioso publicamente em Jerusalém, durante a Festa das Cabanas. Ele poderia ter arrebatado multidões e se colocado como rei. Mas esse não foi o caminho de Jesus, e também não deve ser o caminho dos Seus seguidores. O verdadeiro cristão segue Seus passos.

No capítulo 11, embora os discípulos temessem os judeus, Jesus não se intimidou e os alertou:

Jesus respondeu: ― O dia não tem doze horas? Quem anda de dia não tropeça, pois vê a luz deste mundo. Quem anda de noite tropeça, pois nele não há luz.

João 11.9-10

Jesus é a luz que ilumina. As ações de quem se diz cristão precisam ser iluminadas pela vida de Jesus. Por isso, é essencial voltar à leitura dos Evangelhos e, diariamente, confrontar nossas atitudes com as de Cristo. O que você acha sobre esse assunto, deixe seu comentário.

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