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Jesus e a Verdadeira Liberdade Religiosa: Reflexões em João 10

Introdução: A Transformação pela Leitura de João 10

Não posso contar quantas vezes li o capítulo 10 do Evangelho de João. O fato é que toda vez que lemos um texto, não é a mesma pessoa que está lendo, e eu, definitivamente, não sou mais o mesmo desde a última vez que li João 10.

Certamente, da última vez que o li, eu era um pastor evangélico de tradição batista, com pouca experiência. Naquela época, a minha vontade de contribuir para a transformação do mundo era do tamanho da minha ingenuidade.

O Luto de Deixar a Igreja

Cerca de cinco anos se passaram desde que decidi não mais atuar como pastor em uma igreja evangélica. Vivi uma espécie de luto. A decisão que tomei de deixar de participar do sistema religioso doeu como um divórcio, ou talvez como o sentimento de um filho ao ser abandonado pela mãe. Não sei exatamente, mas creio que vivi uma espécie de luto.

Talvez, para você, isso não faça sentido. Não sei qual é sua confissão de fé ou sua experiência religiosa. No caso de alguém como eu, que cresceu dentro de uma igreja, entendeu a mensagem cristã aos seis anos e decidiu aceitar a Jesus como Salvador, que fez dois anos de preparação para o Batismo (catequese), foi batizado aos oito, viveu cantando em corais e participando de grupos de jovens, que aos 17 anos sentiu um chamado missionário, fez seminário, depois seguiu no mestrado e se tornou pastor, enfim, uma vida toda dedicada… um momento de separação como esse é um luto.

Durante esse tempo fora da igreja, fui muito julgado. Outros crentes não conseguem entender o seu drama. Eles estão preocupados com a frequência à igreja, pois não ir à igreja é entendido como sinônimo de apostasia, ou seja, abandonar e negar a Cristo.

Mas eu não conseguia voltar, porque, a partir de 2020, simplesmente não me identificava com o que via na igreja evangélica e na postura de muitos evangélicos.

A Crise Existencial e a Paz Encontrada

Confesso que, por um tempo, questionei a validade de tudo. Tive minhas crises existenciais e de fé. Mas agora encontrei paz em meio ao caos. E agora me pergunto: como e por que encontrei paz? Sei que tudo isso serviu para o meu amadurecimento. E, mesmo sem frequentar regularmente uma igreja, creio também na ação do Espírito Santo.

Em Romanos 8, lemos que:

Da mesma forma, o Espírito nos ajuda em nossa fraqueza, pois não sabemos como devemos orar, mas o próprio Espírito intercede por nós com gemidos inexprimíveis.

E aquele que sonda o nosso coração conhece a mente do Espírito, porque o Espírito intercede pelos santos de acordo com a vontade de Deus.

Sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, dos que foram chamados de acordo com o seu propósito.

Romanos 8:26-28

Jesus, o Bom Pastor em João 10

Mas o que tem o texto de João 10 a ver com tudo isso? Bem, nós conhecemos esse texto, é um clássico do Novo Testamento: “Jesus, o Bom Pastor”. O evangelista nos traz uma parábola logo no início do capítulo (João 10.1-5): Jesus diz que há um aprisco onde estão as ovelhas. E há aquele que tenta entrar no aprisco por outro lugar (não pela porta), mas as ovelhas não reconhecem sua voz. Porém, há o pastor. O pastor entra pela porta, ele consegue conduzir as ovelhas para fora, e elas atendem à sua voz, pois o conhecem e o seguem.

Diz o texto que os judeus não conseguiram entender a parábola (v.6). Para mim, João 10 é uma continuação do capítulo 9. Não há mudança de cenário (típico em João). Aqui, Jesus continua em embate com os judeus, que estavam confusos, pois haviam presenciado um grande milagre de Jesus: a cura de um cego de nascença.

No final do capítulo 9, Jesus deixa evidente a cegueira espiritual daqueles guardiões da religião: quando pensam que veem, estão cegos. Por outro lado, Jesus diz que, se fossem cegos (como aquele homem “pecador” curado), então estariam sãos. Mas isso é tema para outro artigo.

As Imagens Simbólicas da Parábola de Jesus

Seguindo no capítulo 10, Jesus continua confundindo os religiosos ao propor essa parábola. O evangelista apresenta várias imagens sobrepostas:

  • O pastor versus o ladrão (vv. 1-5)
  • A porta (v.9)
  • O bom pastor versus o assalariado (vv. 10-18)

Depois dessa apresentação, os judeus permanecem confusos e divididos: alguns o acusam de estar possesso por demônios, enquanto outros perguntam: “Pode um endemoninhado abrir os olhos de um cego?” (v.21).

Talvez você também esteja confuso(a). Ora Jesus é a porta, ora é o pastor, mas o pastor entra pela porta… Não vamos conseguir esclarecer tudo isso aqui, mas é importante entender que o ponto central é uma discussão sobre a religião. No contexto específico, a religião judaica, mas podemos extrapolar o contexto e fazer uma atualização (termo teológico perigoso hoje em dia, rs) para os nossos dias.

A questão que vinha deixando os judeus confusos desde o capítulo 9 é: Jesus é ou não o Messias? Pois, ao mesmo tempo que ele é capaz de curar um cego de nascença, ele não respeita o sábado, algo sagrado na religião judaica. Os atos de Jesus abalam os fundamentos religiosos daquele povo.

Jesus é a Porta da Liberdade

E aqui entramos no tema do nosso artigo: Jesus é a porta da Liberdade!

Eu sou a porta; quem entrar por mim será salvo. Entrará, sairá e encontrará pastagem.

João 10.9

Precisamos entender o que cada elemento dessa parábola representa. Parábola significa comparação, é uma história que ilustra uma realidade. A partir do contexto da discussão, entendo que:

  • O aprisco é a religião judaica.
  • A porta é Jesus, como ele mesmo afirma.
  • As ovelhas são as pessoas comuns, sob o domínio da religião.
  • Os ladrões são os líderes da religião judaica, que pretendem apascentar as ovelhas.
  • O bom pastor também é Jesus, que, diferente do pastor assalariado, entrega sua vida pelas ovelhas.

Com essa explicação, já podemos chegar ao tema da liberdade.

Jesus se apresenta como a porta para a religião. A verdadeira experiência de fé só pode ser encontrada passando por Jesus. Ele é o critério para a vida dentro da religião, e também para avaliar aqueles que pretendem cuidar de suas ovelhas.

Os ladrões, que tentam entrar no aprisco por outro lugar, não reconhecem a porta como o caminho legítimo. Eles conduzem as pessoas (ovelhas) a seu modo. Jesus denuncia essa postura e os chama de ladrões. Há um paralelo nítido com Ezequiel 34, quando Deus, através do profeta, condena a atitude dos falsos pastores que “comem a coalhada, vestem-se de lã e abatem os melhores animais, mas não tomam conta do rebanho.” (Ezequiel 34:3).

Mas o que mais me tocou hoje (e agora faço a ligação com meu testemunho pessoal do início do texto) é a liberdade religiosa que Jesus oferece.

Ele diz ser a porta. Quem entra por essa porta encontra salvação. Quem entra na religião (aprisco) pela porta, não encontra a morte, quem mata são os ladrões (João 10.10a), os representantes da religião estéril. Quem entra na religião pela porta (Jesus) encontra vida, e muita vitalidade (vida plena, vida abundante – João 10.10b).

E o mais importante: quem entra pela porta encontra a liberdade de ir e vir, entrar e sair. A religião deixa de ser uma prisão com Jesus. Ele tira a religião de sua caixa hermética, em que só os que cumprem certos rituais, ou só aqueles que fazem parte de tal grupo, podem pertencer.

A Liberdade Religiosa que Jesus Oferece

Perceba que Jesus não diz: “Aquele que entra pela porta, se sair, será devorado pelo lobo”. NÃO! Jesus diz que, uma vez que a pessoa encontrar o verdadeiro caminho e passar por Ele, ela poderá ir e vir e sempre encontrará pastagem.

Jesus ainda demonstra aos judeus que ele tem outras ovelhas fora daquele aprisco:

“Tenho outras ovelhas que não são deste aprisco. É necessário que eu as conduza também. Elas ouvirão a minha voz, e haverá um só rebanho e um só pastor.”

João 10.16

Essas outras pessoas, distantes da religião judaica, também serão alcançadas por Ele. Assim como eu fui.

Reconciliação com Minha História

E diante dessa verdade, reconcilio-me com minha história. Um dia, eu estava preso em um aprisco, confinado por costumes e tradições. Mas encontrei Jesus, passei pela porta e adquiri o pleno direito de ir e vir. Agora entendo que o mais importante não é fazer parte do grupo A ou B. Os grupos são construções sociais, que servem como tutores (como Paulo reconheceu o papel da Lei em Gálatas 3:24). Mas, quando se alcança a maturidade de um encontro genuíno com Jesus, esse tutor se torna desnecessário.

Não que a Igreja ou a religião em si sejam desnecessárias, ou que sejam algo ruim. Acredito muito no contrário disso. As igrejas têm um importante papel dentro da sociedade. Foi através de uma igreja que minha mãe conheceu a Cristo e, consequentemente, eu também. Mas, para que essas instituições e as pessoas que ali estão possam alcançar a salvação, é necessário passar por Jesus.

Quando a Igreja ou qualquer instituição religiosa deixa de se comprometer com os valores de Cristo e opta por caminhos que não refletem o abnegado amor pelo ser humano, colocando os ritos e as tradições acima desse amor, o que se alcança é a morte, tanto espiritual quanto, muitas vezes, física.

Jesus nos mostrou que a verdadeira fé é mais do que seguir normas ou cumprir rituais. É uma relação viva e ativa com Ele, que nos liberta das amarras da religião estéril. Quando Ele diz que é a porta, está nos convidando a passar por Ele para encontrar a verdadeira vida, uma vida plena e abundante, que transcende qualquer estrutura ou formalidade religiosa.

Ao longo da minha jornada, percebi que estar fora do sistema religioso não significa estar fora da fé. Pelo contrário, foi fora desse sistema que encontrei a verdadeira liberdade em Cristo, onde a vida de fé é marcada por autenticidade, e não por uma conformidade forçada. A religião, quando vivida de forma genuína, é uma bênção; mas, quando se transforma em um fim em si mesma, perde seu propósito original.

Conclusão

Jesus nos liberta dessas prisões invisíveis. Ele nos dá a liberdade de ir e vir, de viver a nossa fé sem medo, sem peso, e com a confiança de que estamos sob seus cuidados, como ovelhas que reconhecem a voz do seu Pastor. Assim como Ele disse em João 10:16, há outras ovelhas que não estão no aprisco, mas que também ouvirão sua voz. Essa é a beleza do evangelho: a inclusão, a libertação e o amor incondicional.

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